Home > Teófilo Otoni > Pastor Leonhard Hollerbach

Pastor Leonhard Hollerbach

Pastor Leonhard Hollerbach

O túmulo do Pastor Johann Leonhard Hollerbach remete ao fundador da comunidade evangélica de Teófilo Otoni e reporta-se, portanto, à história da imigração alemã para o Vale do Mucuri. Em meados do século XIX, centenas de europeus foram recrutados para o Nordeste de Minas Gerais, com o objetivo de povoar aquela região.

Na época, a Companhia de Navegação e Comércio do Rio Mucuri foi criada e precisava de novos contingentes de pessoal, de modo a fomentar o desenvolvimento local. Assim, mesmo com as dificuldades econômicas, de saúde e de adaptação, os colonos se fixaram nesta terra e, para tanto, contaram com a atuação pioneira do Pastor Hollerbach. Este, por mais de 30 anos foi a pessoa quem deu assistência religiosa, social e espiritual aos moradores e, além disso, fundou a primeira escola do município.

A Companhia Mucuri, alguns anos mais tarde, terminou suas atividades, mas a Colônia de imigrantes europeus ajudou a criar o que é Teófilo Otoni hoje, tanto na economia, como na sociedade. Assim, o tombamento do túmulo do Pastor Hollerbach faz parte de um conjunto de ações da comunidade, que visam a afirmação da memória do município e remontam, no caso, ao período de fundação do local.

3.2 – HISTÓRICO DO BEM CULTURAL

O Vale do Mucuri é uma região do estado de Minas Gerais que, desde o século XVIII, era alvo de atenção do governo que, no entanto, se mostrava imponente para se impor em uma zona povoada por índios. Somente em meados do século XIX, a efetivação do projeto de Theóphilo Benedicto Ottoni, que visava a criação da “Companhia de Comércio e Navegação do rio Mucuri”, estimulou o processo de colonização desta localidade. Esta empresa foi aberta no ano de 1847 com o objetivo de construir um caminho mais curto, seguro e eficaz do nordeste de Minas com o litoral sul da Bahia, trazendo benefícios para o comércio e para a economia da região, estimulando assim, o povoamento desta área.

Philadélphia foi fundada no ano de 1853 em torno dos armazéns centrais da Companhia do Mucuri, às margens do rio Todos os Santos, na foz do córrego Santo Antônio, com o objetivo de se tornar o ponto central das operações da empresa. No mesmo ano, Theóphilo Benedicto Ottoni começou a investir no povoamento da região com a vinda de imigrantes europeus, a partir do contrato da firma Schlobach & Morgenstern de Leipzig, na Alemanha. A ideia era recrutar 2000 colonos para ocuparem terras no Mucuri, sendo que o transporte dos colonos do Rio de Janeiro até Philadélphia e o abrigo aqui chegando era por conta da Companhia. Além disso, cada colono receberia uma gleba de terra de 15 alqueires, própria para agricultura, que seria paga em quatro anuidades, sendo a primeira correspondendo à segunda colheita. Theóphilo Ottoni instruiu os agentes a selecionar colonos com algum recurso, de modo que estes se tornassem seus associados na empreitada do Mucuri, e não meros proletários.

Esta iniciativa estava ligada a uma política do governo imperial do Brasil de incentivo à imigração europeia, política esta que visava “promover o branqueamento racial no país, garantir-lhe a segurança territorial e fortalecer a economia de mercado. A proposta de branqueamento racial pretendia quebrar a hegemonia demográfica das populações de origem africana, através da introdução de contingentes populacionais europeus, tendo em vista que a população, constituída em sua maioria por escravos, não tinha “todas as virtudes sociais” necessárias a um “povo ideal”, “apto ao trabalho e à prosperidade.””1

Os primeiros europeus que chegaram a Philadélphia no ano de 1856 foram os suíços, enviados à Companhia do Mucuri pelo consulado brasileiro daquele país. Eles se instalaram às margens do córrego São Jacinto e rio Todos os Santos. Em julho do mesmo ano, chegaram os primeiros colonos contratados pela casa Schlobach & Morgenstern, todos alemães da Saxônia e Prússia, em um total de 115 pessoas. Foram acomodados em Itamunheque, ficando alguns artífices na Vila de Philadélphia. Posteriormente, no ano de 1857, chegaram outros 149 colonos pela mesma via.

Neste contexto, o Governo Imperial, de modo a incentivar as empresas colonizadoras, criou a Associação Central de Colonização (ACC), que estabelecia favorecimentos aos imigrantes, como doação de passagens e outras despesas, e pagava aos agenciadores na Europa pelo número de colonos enviados, não havendo porém, critérios pré–estabelecidos para a escolha dos mesmos. Assim, no ano de 1858, o representante da ACC em Paris, enviou para o vale do Mucuri 162 belgas e holandeses para habitarem a Colônia Militar do Urucu e outras 159 pessoas para se instalarem em Philadélphia. Mais tarde, os agentes da Companhia do Mucuri em Leipzig contrataram outros 250 colonos e o cônsul brasileiro em Hamburgo enviou mais 176 imigrantes. Logo, no ano de 1858 já se somavam mais de 1000 colonos na Vila de Philadélphia. Dentre estes, muitos foram contratados a partir de uma propaganda enganosa, com promessas irrealizáveis, ou eram imigrantes não qualificados, aos quais o Brasil era imposto como um desterro. Assim, este quadro estava bem longe do idealizado por Theóphilo Ottoni.

Chegando aqui, as dificuldades de adaptação eram enormes: o idioma, a comida, o clima, o trabalho – visto que nem todos tinham experiência na lida agrícola. Além disso, os colonos enfrentavam também obstáculos de ordem médica, uma vez que a maioria não apresentava resistência às mais simples moléstias encontradas nos trópicos. Assim, neste primeiro momento, os imigrantes formavam uma grande massa desamparada, sujeita à miséria ou à doença, uma vez que a Companhia Mucuri não estava preparada para receber essa enorme quantidade de europeus enviados, na maior parte das vezes, sem nenhum critério de seleção.

Porém, apesar das dificuldades iniciais, a colonização do Mucuri foi aos poucos se estruturando. Economicamente, a produção agrícola crescia e havia diversos imigrantes trabalhando em pequenos ofícios, como profissionais liberais e no comércio, dentro da zona urbana. Neste contexto, apesar dos esforços de Theóphilo Ottoni, a Companhia do Mucuri foi encampada pelo Governo Imperial no ano de 1861.

Ao mesmo tempo, a colônia alemã de Philadélphia começava a se estruturar, uma vez que os imigrantes não conformados ou haviam se dirigido a outras colônias ou haviam retornado para a Europa. Uma das grandes preocupações dos colonos sempre foi com a Igreja e, assim, logo no ano de 1857, foi construído por Júlio Burrow, um templo católico e outro protestante na Vila de Philadélphia. Como a maioria dos alemães ali radicados era luterana, começou o processo para a vinda de um pastor para a localidade.

O Governo Imperial de Dom Pedro II incentivava a vinda de sacerdotes para as colônias existentes no Brasil, conforme o credo dos colonos. Dentro deste contexto, a Sociedade das Missões em Basiléia, tendo conhecimento da falta de pastores no meio dos imigrantes no Brasil, colocou Johann Leonhard Hollerbach à disposição do governo brasileiro.

O Pastor Johann Leonhard Hollerbach nasceu em Wertcheim, na Baviera, na data de 9 de outubro de 1835, sendo filho de Johann Leonhard e Sohanna Hollerbach. Fez a escola primária e o liceu em sua terra natal, tendo ingressado no Instituto Missionário de Basiléia, onde recebeu a sua formação teológica, no dia 14 de agosto de 1858. Em 25 de agosto de 1861, Hollerbach foi ordenado pastor em Weikersheim, em Wuerttemberg e, em 8 de fevereiro de 1862, foi oficialmente incumbido de trabalhar no Brasil.

Hollerbach chegou no Rio de Janeiro em abril do mesmo ano, em companhia de um colega. Ambos se hospedaram na Casa do Pastor Billroth, onde tiveram o contato com os escritos de Avé-Lallemant que poucos anos antes havia visitado a zona do Mucuri e a descrevera como sendo o cúmulo de toda a infâmia já empreendida pelo homem. Inicialmente, Hollerbach foi incumbido de ser pastor em Petrópolis, porém, como seu colega que havia sido designado para o Vale do Mucuri adoeceu, Hollerbach assumiu seu posto.

Assim, mesmo tendo conhecimento das dificuldades, como o clima, as doenças e a pobreza, Hollerbach aceitou a sua nomeação como pastor das Colônias Imperiais de Mucuri, com sede em Filadélfia. Ao seguir viagem para a região, foi recebido pelo negociante Hermann Schlobach em São José de Porto Alegre, na foz do Mucuri e de lá seguiram 4 dias de viagem de canoa até Santa Clara, de onde foram a cavalo à Filadélfia: o Pastor Hollerbach, um comissário do governo, Hermann Schlobach e o sr. Haueisen, comerciante de Santa Clara. Pararam em uma colônia de 64 holandeses em Urucu e, em 22 de maio, continuaram seguindo a viagem, chegando poucos dias depois em Philadélphia.

O primeiro sermão realizado pelo Pastor foi no dia 29 de maio de 1862 e ocorreu na casa do diretor da Colônia, uma vez que a pequena e modesta igreja de madeira ainda não estava arrumada em sua parte interna. Iniciava-se assim o seu trabalho no Vale do Mucuri, cujo objetivo era “trazer o conforto do evangelho aos cansados e desanimados”2 . O governo brasileiro comprou-lhe então os livros de registro e os utensílios sagrados para o ritos de Batismo e a Santa Ceia, pagou-lhe a viagem e prometeu um ordenado de 800 mil réis por mês.

Logo depois da sua vinda, o pastor iniciou um registro de todas as famílias evangélicas da região e, em 07 de julho de 1863, concluiu um levantamento parcial que abrangia 400 pessoas de países e costumes diversos. Além destes, o Pastor Hollerbach visitava e servia os evangélicos na velha colônia de Leopoldina, no sul da Bahia e foi até Salvador, São Félix, Sergipe e Pernambuco. Suas viagens levavam sempre mais de 20 dias. Onde houvesse lugar e pessoas, ele pregava e dava atenção a todos, sem fazer distinção de quem fosse ou aonde fosse.

Seu trabalho porém, era precário, pois atendia os paroquianos em todos os assuntos, que não o religioso. Assim, além de ter de se sustentar numa colônia onde todos eram iniciantes e pobres, o pastor se achava na obrigação de ajudar. Ajudava a vestir, alimentar e alojar, medicar – socorria os doentes em casos de doença, com homeopatia: “Servir, este era o lema da sua vida.”

Logo no princípio, teve que comprar uma casa para morar com dinheiro que pegou emprestado, pagando 12% de juros durante muitos anos, devido ao seu pequeno ordenado. Em 07 de janeiro de 1864, se casou com Ana Maria Lindner4 , que havia chegado em Philadélphia em 1856, na primeira leva de imigrantes. Tiveram 10 filhos, e os numerosos descendentes do casal tem tido importante papel na vida eclesiástica de Teófilo Otoni.

A sua família também assessorava o trabalho do pastor, conforme indica o estudo de Cléia Schiavo: “As mulheres do seu grupo familiar incorporavam também ao ritual de suas vidas cotidianas as questões relativas à sobrevivência da comunidade, confundindo-se no dia a dia de suas vidas, as fronteiras entre os espaços privado e público. Anulava-se desta forma, a distância entre ambas, tornando-se a casa do Pastor Hollerbach a grande lareira onde se aqueciam os imigrantes. Assim, pela vida privada de sua família passavam as agruras públicas da Colônia Alemã de Nova Filadélfia”

Vendo que as crianças da colônia estavam sem escola, o Pastor Hollerbach começou a lecionar na sua própria casa. Primeiro, só para os filhos dos colonos luteranos, mas logo passou a aceitar qualquer um. Além de alfabetizar, o pastor, seis meses por ano, preparava jovens no catecismo para a confirmação luterana. No ano de 1863 escreveu: “Quanto à escola, até agora pude fazer bem pouco. Minha grande paróquia dificulta a minha presença, com regularidade, nas aulas. Igual obstáculo para o comparecimento dos alunos é a grande distância entre as fazendas e a escola. (…) As condições são tão desfavoráveis que muitas vezes quero desanimar e sinto angústia”.

Ao longo do tempo, a colônia se estruturava e consolidava suas tradições cada vez mais. A segunda Igreja Luterana de Philadélphia foi construída na atual Praça Germânica e inaugurada no ano de 1868, recebendo mais tarde uma pequena torre de madeira e dois sinos. No ano de 1880, o pastor Hollerbach conseguiu da parte do Governo, a doação de dois lotes urbanos, no fim da antiga rua Direita7 , onde foram construídas a casa paroquial e uma sala para a Escola. Em 1882, a paróquia contava com 800 fiéis, tendo, assim, se duplicado em 20 anos. Desde aquele ano porém, o governo imperial não pagou mais o ordenado do pastor. A partir de então, cada família, segundo uma resolução da Assembleia Geral, devia contribuir com certa anuidade para o sustento do pároco.

O Pastor continuou lutando, muitas vezes sem êxito, e trabalhou, durante toda a sua vida, para o fortalecimento da colônia alemã, conforme nos mostra uma carta redigida pouco antes do seu falecimento: “Desde há muitos anos, política e políticos tendenciosos puseram obstáculos à emigração para o Brasil e, especialmente para o Mucuri, de maneira que há 40 anos esta pequena comunidade só uma vez recebeu um reforço pela afluência de algumas famílias, em 1868. Todos os meus requerimentos e relatórios nem receberam a honra de uma resposta, nem de Frankfurt nem de Berlim; desta maneira perdeu-se o tempo em que ainda era possível comprar maior área de terras férteis para realizar nela uma colonização homogênea quanto ao credo e quanto à língua, pois só isso garante a prosperidade da colonização.

Dos colonos existentes, as novas famílias se dispersam cada vez mais, afastando-se mais ainda da escola e da igreja. Por todos esses motivos é provável que da minha comunidade educada por mim durante 38 anos com trabalho cheios de sacrifícios e dificuldades, cada vez mais membros, isolados como estão, caíam na ignorância, que percam a noção da grande importância de sua valiosa língua e igreja e sejam assimilados, pouco a pouco, pelo ambiente, quanto à língua, aos costumes e a religião, como aliás, já o tenho de observar com imensa dor e tristeza. Como sou aqui malquisto, porque arrisco corpo e vida para conservar unida esta pequena ilha de mil almas no meio das ondas impetuosas de um mar de 20 a 30 mil outras! A escola, a possibilidade de aprender a magnífica língua alemã, deve ser dada muito melhor do que até agora.

A igreja, o evangelho, bem aventurado, este levo à casa de cada um, com muito prazer. Debaixo de qualquer árvore, em qualquer lugar a comunidade viva pode celebrar o seu culto. Escola, porém, não se pode carregar atrás de cada um.” A tarefa não era fácil, havendo dificuldades não só externas, como também internas da própria Colônia. Um exemplo disto foi a divisão das primeiras famílias da colônia no final do século XIX, sendo que parte delas fundou o Igreja Adventista de Teófilo Otoni.

Outra característica marcante na personalidade do pastor é a sua relação de respeito e condolência com o restante da população. Sempre ajudava os tropeiros e os demais moradores da cidade e, por ser contra a escravidão, no dia da Abolição dos Escravos, conta-se que foi carregado pelos negros em comemoração. Foi, portanto, um exemplo de respeito e altruísmo para a comunidade. Era amigo do Padre Virgulino, da Igreja Católica, e sobre este fato nos conta o Pastor Schullp:

“Um fato bem estranho é que este homem, sempre tão contra a Igreja Católica e sempre contra os padres, contra os quais falava abertamente e entrava em debates duros, no fim da vida, nos seus últimos anos, tornou-se amigo, e muito amigo, do Padre Virgulino. (…) Diziam ambos que só poderiam desaparecer depois que a colônia estivesse salva. E no dia em que pela primeira vez o trem da estrada de ferro chegou à localidade de TO, a amizade dos dois entrava no domínio público. Alegres, eles se abraçaram e pularam dizendo: “Agora podemos morrer! A Colônia já está salva!”

O Pastor Hollerbach faleceu em Teófilo Otoni no dia 10 de julho de 1899, vítima de uma febre que apanhou em uma de suas viagens. Deixou uma colônia salva pela vinda da Estrada de Ferro, mas desolada: havia medo generalizado de que outro pastor não aceitasse vir para Filadélfia. Ele foi o primeiro a ser sepultado no então Cemitério da Comunidade Evangélica de Confissão Luterana em Teófilo Otoni, que fica em um terreno doado pela família de Alfredo Lalbi Neto, no final do seculo XIX.

O seu túmulo, construído com poucos elementos decorativos, contém inscrições na língua alemã10 , com a data de seu nascimento e de seu falecimento. A inscrição existente na urna funerária, “1903”, pode sugerir, no entanto, que a construção do túmulo foi posterior à sua morte.

“Quando o indivíduo se transforma em morto, deixa marcas profundas no contexto social que o abrigava. Ele continua a participar intensamente da vida cotidiana de seus familiares ou adeptos, em razão dos novos referenciais que adquiriu com a morte. Geralmente, é transformado em uma pessoa exemplar, modelo a ser seguido pelas gerações futuras.”

O túmulo do Pastor Hollerbach representa, no entanto, a memória de um batalhador pela sobrevivência do povo alemão no vale do Mucuri que, além de pastorear almas, foi um pai, médico e professor. Até os dias atuais, ele é, portanto, um exemplo para o povo de Teófilo Otoni. Ele proporcionou alicerces firmes à Comunidade Alemã, conseguindo que estes, na maior parte, permanecessem aqui e colocassem as bases daquilo que hoje é a região do Mucuri.

Liderança pacífica, humana e responsável, o pastor sempre é lembrado nas ocasiões festivas, como na comemoração dos cem anos de colonização alemã, nos cultos e nas homenagens. Pela sua importância como educador, foi declarado no dia 28-12-2006, Patrono da Educação de Teófilo Otoni pela Câmara Municipal.

O tombamento do túmulo do Pastor Hollerbach faz parte de um conjunto de ações da comunidade, que visam a afirmação da memória do município e, principalmente, da Colônia, que teve grande parte da sua história depredada no ano de 1942, quando a Igreja Luterana e seus arquivos foram incendiados como sinal de repreensão à figura de Adolf Hitler. Atualmente, porém, foi criada a Associação Cultural dos Descendentes Alemães de Teófilo Otoni, fundada em 30-04-2008 com o objetivo de resgatar a cultura, os valores, os hábitos e os costumes deste povo.

Fontes: