Home > Teófilo Otoni > Pontilhão à Rua Júlio Costa

Pontilhão à Rua Júlio Costa

O bem cultural, Pontilhão à Rua Júlio Costa, é hoje um prolongamento desta via, no trecho compreendido entre a sua esquina com a Rua Cláudio Prates e a Avenida Alfredo Sá, no Bairro São Diogo em Teófilo Otoni/MG. Tal obra-de-arte apresenta referências do estilo de pontes e pontilhões surgidos após o advento da Revolução Industrial, com tipologia estilístico-formal típica do sistema ferroviário brasileiro do final do século XIX.

História do Pontilhão à Rua Júlio Costa e a Estrada de Ferro Bahia e Minas

Trata-se de um elemento de ligação entre duas regiões da cidade, separadas pelo Rio Todos os Santos. Exercia a função de uma 'pequena ponte' para a passagem da antiga linha férrea da Estrada de Ferro Bahia Minas e que hoje funciona como passagem de pedestres e ciclistas, onde os trilhos já não existem. Esses usuários são separados por meio de diferenciação de nível no piso e também por placas indicativas instaladas em cada lado de acesso informando graficamente qual o lado dos ciclistas e dos pedestres.

O Pontilhão apresenta proporções equilibradas com disposição simétrica das peças que o compõem, de maneira que as suas estruturas laterais são idênticas e paralelas entre si. Da mesma maneira estão caracterizadas suas bases e fundação em pedras, ou seja, são iguais e paralelas entre si. A volumetria se faz pela espessura de seu tabuleiro e pela altura variável formada pelos elementos estruturais arqueados.

A obra-de-arte está dentro da tipologia de 'pequena ponte' estruturada em viga treliçada em arco, com 4,70 metros de largura e 31,55 metros de comprimento. Essas dimensões incluem a sua parte metálica e o tabuleiro, logo, excluem a base e fundação em pedras. A planta segue a regularidade ortogonal de formato retangular. A estrutura do bem é constituída por peças pré-fabricadas em aço que compõem os dois arcos dispostos em paralelo, cada um de um lado do tabuleiro. As hastes que compõem a estrutura treliçada são igualmente espaçadas à uma distância 3,88 metros, que conformam, em cada lateral, oito módulos com intertravamento em “X”. A soma destas distâncias resulta no comprimento da ponte já citado.

As hastes laterais verticais apresentam-se com altura variável em função da composição dos arcos que finalizam a estrutura. As peças mais altas apresentam-se com 3,72 metros e as mais baixas com 0,94 metros.

Toda a estrutura metálica é constituída por peças pré-fabricadas, pintadas na cor vermelha que apresentam-se laminadas e dobradas. A maioria das peças dobradas tem perfil em “L”. Todos estes perfis metálicos são unidos com rebites, havendo trecho com solda.

O bem cultural apresenta-se biapoiado nas margens do Rio Todos os Santos em terreno plano e encontra-se no mesmo nível dos terrenos de acesso às margens. O pontilhão têm cabeceiras que se apoiam em bases de pedras que se caracterizam por grandes blocos recortados em forma de paralelepípedo, sobrepostos com juntas verticais desalinhadas para maior estabilidade da base. Possivelmente as pedras da base são rochas cristalinas magmáticas. Entretanto, não foi possível identificar o tipo – gnaisse, granito, etc - devido a a impregnação generalizada de sujidades.

Estrada de Ferro Bahia e Minas

Após a inauguração desta Estrada de Ferro, outras companhias ampliaram a malha ferroviária do Brasil. No século XIX já havia cerca de dez mil quilômetros de ferrovias no país, mas foi no início do século XX que se deu um grande passo no desenvolvimento do sistema ferroviário, tendo sido construídos entre 1911 e 1916, mais cinco mil quilômetros de linha férreas. Dentre as diversas ferrovias criadas neste contexto, destaca-se a “Estrada de Ferro Bahia e Minas” que era, em tese, a reativação de um antigo sonho de ligar o litoral baiano ao nordeste de Minas, presente também na “Companhia de Comércio e Navegação do Rio Mucuri” , empresa que deu origem ao antigo povoado de Philadélphia, atual cidade de Teófilo Otoni.

A “Estrada de Ferro Bahia e Minas”, inicialmente propriedade da Província da Bahia, começou a ser aberta em 1881 ligando Caravelas, no litoral baiano, à serra de Aimorés, na divisa com Minas Gerais. So mente no ano de 1898, esta ferrovia chegou à Teófilo Otoni e foi inaugurada com toda pompa e festividade no dia 03 de maio, conforme nos relata a reportagem da revista local Confronto:

“Antes mesmo do badalar do sino da Igreja Matriz, às cinco horas, a maior parte da população já se movimentava na agradável manhã, sob grande expectativa, enquanto que grupos de exaltados com instrumentos musicais improvisados percorriam as ruas centrais, acordando os retardatários, convocando-os para o maior acontecimento do primeiro século da existência da cidade, a inauguração da Estação da Estrada de Ferro Bahia e Minas.”

Teófilo Otoni havia se emancipado no ano de 1878 de Minas Novas e estava se desenvolvendo tanto no setor urbano, com a construção de inúmeros prédios comerciais e instituições públicas, quanto também no setor econômico, então baseado na extração vegetal e na agricultura. A construção da linha férrea na localidade trazia grande expectativa para os moradores, que acreditavam que o novo meio de transporte traria crescimento econômico e social para a região. A estação de Teófilo Otoni foi inaugurada inicialmente como "uma construção de madeira, coberta de coqueiros" e era um centro de manutenção de trens, conhecido como Turma, responsável por 10 km de Estrada de Ferro.

Estação da Estrada de Ferro Bahia-Minas na Cidade De Teófilo Otoni (Mg) | Coleção: Nelson Coelho de Senna - Autor: Raimundo Alves Pinto - Fonte : Arquivo Público Mineiro (APM)

Nos anos seguintes, outras estações foram finalizadas: no ano de 1918, em Ladainha; em 1930, a Estação Schnoor; em 1941, em Alfredo Graça; e, no ano seguinte, em 1942, em Arassuaí, seu ponto final definitivo. A Bahia Minas levou, assim, mais de 60 anos para ter seus 376 km de linha finalizados, devido à fatores como a falta de capital, à burocracia e também às constantes mudanças de proprietários. Em 1897, a ferrovia então pertencente ao governo da Bahia passou a ser propriedade do Estado de Minas Gerais. Já no ano de 1912, começou a ser administrada pelos franceses da Chemins de Fer Federaux de L'Est Brésilien por um tempo determinado. Em 1965, foi encampada pela Viação Ferroviária Centro-Oeste e, finalmente foi extinta em 1966.

A linha ferroviária que passava por Minas tinha como objetivos o transporte de passageiros, o que trazia movimento e trânsito constante na cidade, e o transporte de produtos econômicos, agora escoados de forma eficiente, para o mar.

Pouco depois da inauguração da Estação, em uma data não precisa, foi finalizado o Pontilhão à Rua Júlio Costa - sobre o Rio Todos os Santos, fabricado com material proveniente da Inglaterra.4 O Pontilhão é uma estrutura que cruza cursos de água como rios, lagos e mares e se difere das pontes propriamente ditas pela sua dimensão, uma vez que se apresenta sempre de menor porte. Ambas construções porém, servem ao mesmo objetivo: interligar ao mesmo nível pontos não acessíveis e desde os tempos remotos acompanham os homens em suas incursões.

Inicialmente, a necessidade de ultrapassar obstáculos, em busca de alimento ou de abrigo, levou à utilização das primeiras pontes que teriam surgido de forma natural pela queda de troncos sobre os rios. Com a predominância da vida sedentária, porém, tornou-se mais importante a construção de estruturas duradouras, nomeadamente, as pontes de lajes de pedra.

Neste caso, a mais antiga estrutura que chegou aos nossos dias é uma ponte em arco situada na Turquia e datada do século IX a.C. Mais tarde, no século III a.C., os romanos começaram a construir pontes em arco, atingindo um desenvolvimento nas técnicas de edificação e projeto dificilmente superado nos anos seguintes. Os romanos foram também os primeiros a usar o cimento, o que reduziu a variação da força que a pedra natural oferecia.

Pontes de tijolo e argamassa foram construídas após a era Romana. Na Idade Média, as ordens religiosas desempenharam um papel determinante na manutenção e expansão do conhecimento relativo à construção de pontes, aplicando o saber adquirido na edificação de cúpulas à ereção de pontes em arco. Mais tarde, durante a Renascença, o aumento das necessidades de deslocamento e transporte levou a uma evolução das técnicas construtivas.

Nesta época, a forma dos arcos e dos pilares alterou-se no sentido de aumentar os vãos, bem como também no sentido de transmitir uma sensação de leveza e estética. Depois do advento da Revolução Industrial, no século XIX foram desenvolvidos sistemas de armações em ferro-forjado para pontes mais largas, mas o ferro dificilmente possuía a força de tensão suficiente para suportar as grandes cargas exigidas pelas estradas de ferro.

Assim, a invenção de novos métodos de fabrico do aço, que tem uma maior força de tensão, permitiu a construção de pontes mais aptas para as novas necessidades. Logo, entre os século XIX e meados do século XX, com o grande desenvolvimento do transporte e das comunicações em geral, foram desenvolvidos numerosos projetos de pontes, que utilizavam o aço em vez do ferro ou ferro-fundido, materiais que possibilitaram atingir vãos cada vez maiores.

Foi, portanto, em um contexto mundial de incentivo de construções ferroviárias que o pontilhão de Teófilo Otoni foi edificado sobre o Rio Todos os Santos. Às margens do antigo leito da ferrovia, hoje Rua Júlio Costa, habitavam os próprios funcionários da Estrada de Ferro Bahia e Minas. Assim, tanto os moradores da cidade como as famílias destes trabalhadores possuíam uma convivência cotidiana com este bem.

Estação da Estrada de Ferro Bahia-Minas na Cidade De Teófilo Otoni (Mg) | Coleção: Nelson Coelho de Senna - Autor: Raimundo Alves Pinto - Fonte : Arquivo Público Mineiro (APM)

Uma das pessoas que residiram próximas ao pontilhão foi Antônio Simões, filho de ferroviário e atual membro da Associação Cultural Ferrovia Baiminas. Ele nasceu em uma residência localizada à rua Júlio Cota, e assim como ocorria com a casa de sua família, todas as outras da rua eram ocupadas por funcionários ferroviários. O pontilhão era então, um local de brincadeiras. Antônio lembra dos adultos falando: “Sai da rua!”, quando o horário da buzina vinha de longe e recorda também do fato de queimar o pé com o carvão.

O pai de Antônio, Olegário Simões, era natural de Bueno, antiga denominação do município de Nanuque e, mesmo não ganhando um bom salário, possuía benefícios como a assistência médica e se alimentava muito bem. Ele trabalhou como encarregado na garagem e depois foi motorista. A empresa chegou a ter dois mil empregados em Teófilo Otoni e pode ser considerada a maior companhia empresarial que houve na cidade.

O fato da Estrada de Ferro Bahia Minas trazer mudanças e crescimento à região aliada à presença direta e cotidiana de diversas famílias na empresa impulsionam a construção de uma lembrança extremamente positiva da linha férrea e de todos os seus bens. Assim, a memória sobre a época da ferrovia costuma ser saudosista, ressaltando o lado positivo e deixando de lado, porém, uma série de inconvenientes ligados à sua história. Neste ponto, ressalta-se que para realizar os serviços ferroviários era necessário uma mão-de-obra pesada, que muitas vezes se arriscavam em lugares inóspitos, ocasionando muitas vezes diversos tipos de acidentes, como problemas de visão e audição. Porém, a maioria só se recorda de como o trabalho era apaixonante e benéfico e principalmente, como a cidade vivia em torno da Estrada.

O fim da Estrada de Ferro Bahia e Minas em 1966 ocorreu por diversos fatores. Primeiramente, já há muito tempo, a empresa não gerava lucros para os seus proprietários. A economia local era de cunho essencialmente extrativista e, depois do esgotamento das reservas por volta de 1930, a estrada de ferro começou a se inviabilizar financeiramente. Além disso, na época não havia uma separação definida entre os bens públicos e privados o que favorecia a manutenção de um sistema deficitário, inchado, com uma estrutura física extremamente cara.

Os traçados sinuosos, construídos visando uma redução de custos ou garantindo uma grande margem de lucros aos construtores prejudicava a eficiência do transporte ferroviário. Estado e iniciativa privada tiveram de investir na retificação de parte desses traçados, minando investimentos em modernização da rede. Assim, em meados do século XX, ocorreu uma crise nacional do transporte ferroviário. As constantes crises econômicas e a falta de investimentos em modernização nas linhas férreas, aliados ao crescimento progressivo do transporte rodoviário fizeram com que a maior parte da rede fosse erradicada

Sem a Estrada de Ferro Bahia e Minas, a cidade de Teófilo Otoni perdeu muito em crescimento, uma vez que a linha férrea gerava poder econômico, alimentando o comércio local e a movimentação das pessoas. Sobretudo para a economia familiar, a estrada era muito importante, pois tinha um valor social muito grande. Não obstante esta questão, no ano de 1966 houve o início da arrancada dos trilhos da região. Desde então, o patrimônio da empresa ficou praticamente jogado “às traças” e o poder público não teve interesse em preservá-lo.

A Estação de Teófilo Otoni foi transformada na rodoviária da cidade na década de 60, o maquinário da Estrada foi recolhido e algumas casas foram cedidas da União para o município. O pontilhão, edificado em uma estrutura feita para durar séculos, se transformou em um mero local de passagem, sem preocupação em manutenções.

Foi somente no governo do prefeito Getúlio Neiva, entre os anos de 2001 e 2003, que ocorreu a única modificação no Pontilhão à rua Júlio Costa. Nesta intervenção, foram retirados os trilhos de aço e dormentes de madeira que compunham sua estrutura para ser colocado um piso em laje pré-fabricada e o pinche preto que cobria a estrutura metálica foi substituído por tinta vermelha.

O objetivo da intervenção era possibilitar de maneira mais adequada, a travessia de pedestres e ciclistas. A população reconheceu a necessidade da reforma, devido ao acúmulo de ferrugem e ao péssimo estado de conservação, mas reclama da falta de uma consulta pública para a realização das obras.

Cada vez mais cientes da importância da Estrada de Ferro Bahia e Minas para a construção da história local, a população de Teófilo Otoni se uniu para manter viva a memória desta instituição. Assim, em 1999, foi criada a Associação Cultural Bahia e Minas com sede em um edifício que era residência de um exferroviário, localizado na rua do pontilhão. Este imóvel era propriedade do poder público e já havia sido utilizado como uma casa de preso albergada e também como centro de triagem do sistema de saúde do município. Depois de uma discussão com a prefeitura e a promotoria, viu-se a necessidade de defender o patrimônio local e a casa então foi cedida para se tornar a sede da organização.

A Associação Cultural Bahia Minas é formada principalmente por descendentes de ferroviários e tem como objetivo preservar e divulgar o patrimônio ferroviário do município. Posteriormente, ela pretende construir um museu com o acervo que está sendo coaptado por seus membros. Esta organização promove, desde sua inauguração, diversos eventos, como o Baile “Nos tempos da Baiminas”, exposições e discussões em escolas e instituições. Uma das conquistas da associação foi a criação do Dia do Ferroviário, 30 de março, instituído em lei municipal.

Sendo portanto, um dos poucos patrimônios que compõem os resquícios da Estrada de Ferro Bahia e Minas, o Pontilhão deve ser preservado de forma eficiente. Símbolo de uma época de desenvolvimento e mudanças sociais, este bem faz parte da memória local e compõe a paisagem urbana até os dias atuais, tendo uma presença cotidiana na vida dos moradores de Teófilo Otoni. http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/fotografico_docs/photo.php?lid=30151 http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/fotografico_docs/photo.php?lid=30150

Fonte: Dossiê de Tombamento do Pontilhão à Rua Júlio Costa de Teófilo Otoni

Fonte: Arquivo Público Mineiro